quarto escuro


[Tour sins Fins, Jean Nouvel, 1989, still extraído de Until the End of the World, Wim Wenders, 1991]










Vinha a pensar como é estranho ter sido na era da interpretação dos sonhos que se tenha deixado de construir casas que abrigassem segredos. Mas e daí -  que sei eu?, agora eles, os segredos, são televisionados - , possa essa ser a exacta razão: a tentativa – tentação – de desvelar e desocultar o interior mais de dentro que transportamos. Tentativa, ainda não chegámos lá. Talvez que só lá se chegue no exacto momento que se conseguir entender o momento zero do Universo inteiro – dói-me a cabeça, dói-me o Universo? Tentação, caímos por causa de uma árvore dava o fruto do conhecimento, e cairemos até à última hora. E agora Adão é Jobs e a maçã trincada é uma brand da industriosa inteligência humana. Eva?, visitem sites pornográficos, há por lá muitas, e todas televisionadas no verso reverso da maçã trincada.
O império da razão impede-nos da irrazoabilidade. O real tornado lógico como casas sem muros. A religião ateia incinerou o mistério. Não haverá nada debaixo do Sol, ou acima deste, ou nos abismos, que se furte ao nosso olhar. Tudo está ao alcance do conhecimento e das lentes, objectivas, com que olhamos. Tudo compreensível, irrepreensivelmente reconhecível. Condenados ao olhar permanentebig brother’s watchin’ you – nem pedras podemos atirar às paredes de vidro alheias.
Ou podemos?

Mas, outra vez, a realidade é uma besta, os homens também, e o mistério mais denso que a lógica, a sombra mais extensa que a luz. Recolhamos à meia-luz dos nossos quartos secretos. É lá que sucedem os milagres que transcendem a lógica.