notas sobre o deserto: o garrote

O dinheiro é o deus.
Os mercados a sua religião.
Os milhões de desempregados as vítimas sacrificiais sobre o seu altar.


Pode um sistema social representar-se pela arquitectura? Sabemos que os regimes de todos os tipos e de todos os tempos se quiseram perenes pela inscrição na pedra. E é evidência histórica que a arquitectura pode ser posta ao serviço da auto-celebração destes.
O que é novo no actual quadro cultural, político e ideológico, (cocktail ambíguo e pouco evidente de liberalismo financeiro radical e depravado marxismo cultural), é o zelo com que induz a sua própria dissimulação. A pretensão em naturalizar-se por forma a tornar-se auto-evidente. Esta atmosfera cultural é induzida nas sociedades apresentando-se como o modo natural de relacionamento humano e fonte natural de todas formas sociais e, nesse sentido, explicação única do mundo.
Por via do enfraquecimento e erradicação de qualquer vínculo afectivo e simbólico do indivíduo, diluído na massa alienada e narcotizada pelo consumo - tudo se reduz ao seu valor utilitário, mensurável e contabilizável, num infernal deve-e-haver que, no fim de contas, literalmente, transforma toda a realidade em dinheiro – geram-se as condições ideais para a atomização social e para a intensificação do caracter totalitário do poder. Sem termos dado conta disso a única liberdade de que hoje verdadeiramente dispomos é a de consumir (aquilo que nos dizem para consumirmos).

Estas ruínas da Grécia contemporânea, para além de todo o sentimentalismo e/ou humanismo vazio com que nos são apresentadas – também ideologicamente (e não há meio de se exterminarem todas as ideologias e este palavrão do jargão marxista?) – apresentam-nos com meridiana clareza o poder destrutivo do actual regime, enfim, ideológico. A asfixia que abre caminho por entre as ruínas que ela própria ergueu.

O que antes do terramoto da Troika era projectado como lugar de ostentação de status dos mais afluentes atenienses é hoje um escombro dessa proposta social que era já em si o ninho da serpente da fractura social. O dinheiro como divisor social único, o consumo como única via para a construção pessoal e de relação do indivíduo com o mundo. A arquitectura reduzida a pobre palco desta representação do mundo, num perverso trade off acrítico e auto-idulgente. Os recursos materiais duplamente elididos como um processo de reciclagem invertido e cada vez mais oneroso ambiental e economicamente. A perpetuação do fortuito, do supérfluo, do excesso, da arrogante e putatitva super-abundância das sociedades europeias numa paisagem ferida e agonizante.
A miséria não reside na escassez material mas antes na degradação com que paulatinamente fomos sujeitando a realidade às nossas representações e olhar cada vez mais narcísicos e desafectados dos próximo e do mundo.

Seja pelo inesperado ausente ao tempo do projecto, seja pela melancolia da representação da ruína como experiência da ausência e da perda em relação à história, as ruínas são lugares de beleza. O paradoxo destas contemporâneas ruínas gregas é a radical antecipação histórica dessa perda e a manifestação imediata do estado de falência cultural com que hoje projectamos o mundo. E a ruína-nova como representação arquitectónica deste tempo.

















Abandoned Nest |  Panayis Chrysovergis / 2015