tremendas trivialidades

Uma Mulher Sem Importância | Oscar Wilde / Truta


Evidentemente estamos no meio do furacão revisionista dos «estudos de género». Só assim se compreende a visitação a Uma Mulher Sem Importância a partir da hermenêutica de «igualdade de género» - esta psicose vai trazer-nos muito mais sofrimento.
Vejamos, naturalmente (ou realisticamente) o texto de Oscar Wilde impõe-nos a necessidade de olharmos para os códigos sociais e morais que regem, a cada época, cada sexo. Os desgraçadamente chamados «papéis de género», numa atribuição meramente cultural a essências – outra vez, essências – diversas e, perdão pelo reaccionarismo, naturais, são redutores e degradantes da condição de cada mulher e de cada homem. Seria demasiado fácil entendermo-nos, enquanto mulheres e homens, como «produto» de meras «construções sociais» - perdão pelo jargão ISCTE. Demasiado fácil e estúpido: tentar compreender o ser-se mulher e o ser-se homem a partir da perspectiva de «género» é reduzi-los a um exercício de gramática, um jogo de linguagem. Pior, admitir a linguagem como território de absoluto domínio e controlo de uma elite (académica, política, económica) a seu bel-prazer; a linguagem como ninho da serpente totalitária que passa por controlar o pensamento, primeiro, para controlar a alma, depois.
Mas a perversidade desta operação é tão maior quanto rasura o ser-se mulher e o ser-se homem do interior do mistério – outra vez, mistério – do que é ser-se mulher ou ser-se homem. Em cada lugar. Em cada tempo. A cada geração. E assim sucessivamente.
Entendamo-nos: o labor de todas as mulheres (e homens) de todos os tempos pela aquisição de dignidade igual para mulheres e homens, além de trespassado por sangue e indizível violência, decorre da pulsão natural de cada ser humano em construir uma vida feliz. Uma felicidade só possível numa sociedade onde a liberdade e a justiça são os bens mais preciosos e, talvez por isso, os mais frágeis. Consequentemente, os valores que terão necessariamente ser mais resolutamente defendidos pela arquitectura jurídica dessa sociedade. Não é utopia - até porque as utopias têm a infeliz e histórica inclinação a resultarem em extermínio de incontáveis vidas humanas -: é realismo, vida vivida e concreta.
Por isto tudo, pela psicose do «género» que infecta a intelligentsia, acaba por tornar-se um exotismo compreender a acção e a decisão de cada personagem (mulher ou homem) a partir de motivações interiores, livres e conscientes, que não reduzam cada personagem (mulher ou homem) a frívolas marionetas ao sabor dos costumes e da sociologia do momento. E é isto que subtilmente a Truta nos devolve a partir do texto: ainda que sejamos também influência do contexto somos, antes de mais, senhores do texto. Cada mulher, cada homem, destinados a nem sequer conseguirem encontrar os nomes do mistério de ser.